27 janeiro 2007

Pensar Atrapalha

Como a gente pode levar tão a sério idéias que criamos e que não existem?
por Soninha Francine | foto Thais Beltrame

O rapaz passa por uma quitanda e pede uma maçã. A moça olha com cara estranha, como se ele estivesse pedindo "um xampu anticaspa numa agência imobiliária". Ele repete o pedido e ela continua com expressão enigmática, como se nunca tivesse ouvido falar em maçã na vida.

Esse é o começo de uma crônica do Antonio Prata, "Hipótese", do livro As Pernas de Tia Corália.Divertidíssima. Depois de cogitar que a vendedora talvez não saiba mesmo o que é uma maçã, o narrador constrói uma história absurda sobre como isso pode ter acontecido. A trama é complexa e detalhada: ele conclui que os pais da menina devem ser ricos – para subornar dezenas de pessoas (professores, pais de colegas de escola) para que nunca mencionassem uma maçã na frente dela. E também providenciar dúzias de seguranças encarregados de confiscar qualquer imagem da fruta que aparecesse em seu caminho. Ele percebe, enfim, que ela deve ter sérios problemas psicológicos por ter sido criada em meio a conspiração tão maquiavélica.

Alguns minutos depois da viagem sideral dentro da sua cabeça, ele arrisca pedir de novo, falando alto e pausadamente: "Tem maçã?" Ao que a moça responde simplesmente: "Ah, tem sim. Quantas você vai querer?"

Morri de rir com o escritor e suas fantásticas hipóteses, mas preciso admitir: faço a mesma coisa que o rapaz da crônica nem sei quantas vezes por dia, e não tem graça nenhuma. Construo uma história absurda mentalmente, penso em todas as falas, fico irritada com a resposta de um e indignada com a indiferença de outro. A reunião nem começou, talvez nem exista, mas já me tirou do sério! Solto fumaça debaixo do chuveiro,furiosa com a estupidez humana,e saio de casa de mau humor. A força do pensamento... Como a gente pode levar tão a sério o que não existe?

Não é à toa que acreditamos em nossos sonhos, por mais ridículos que sejam. Nunca nos ocorre perguntar: "Como eu vim parar aqui?" É só montar um cenário convincente, combinar uns elementos familiares e jogar umas emoções fortes para distrair, que engolimos qualquer bobagem. Nossa mente sabe direitinho como nos enganar. Às vezes, acordo sob o impacto de um pesadelo e não me conformo: "Que otária, como não percebi que era impossível estar ali? Por que sofri tanto?"

Reconhecer que somos enganados pelos sonhos é fácil; admitir que pensamos bobagens e construímos ficções acordados é mais difícil.Vivemos criando personagens, olhamos o modo como uma pessoa se veste e deduzimos tudo a seu respeito. O que é preconceito, senão um pensamento ao qual damos credibilidade? Cada vez mais, percebo que acredito demais nos meus pensamentos. Reajo a objeções que não foram feitas, saboreio vitórias de batalhas fictícias, desprezo uma pessoa pelo que eu acho que ela ia me dizer se tivesse a chance. E às vezes resisto aos fatos reais, por estar apegada ao que havia previsto. Ou seja: preciso aprender a desmascarar os embustes que eu mesma fabrico.

Ano passado, dei decara com esse texto, ao folhear as páginas da revista Vida Simples,e amei. (escrito por minha amiga, Soninha Francine)
Desde o inicio do ano, tenho vivido momentos turbulentos e observei o quanto praticamos essa maneira louca de pensar.
Aí vai a chance da reflexão.
Valeu Soninha!