Achei essa matéria e decidi compartilhar.Que nos sirva de apoio ... que possamos refletir.
Tenham uma linda Quinta feira.
Soninha Francine – jornalista, apresentadora de TV
A filha de Soninha, Julia, sofreu de leucemia em 2004, então com 7 anos.
Com a ajuda da mãe e familiares, a menina superou os problemas e dificuldades e
hoje está curada.
Dizer, rir, confiar
O que aprendi quando a Julia teve leucemia
Dizer, rir, confiar
O que aprendi quando a Julia teve leucemia
Era
sexta-feira.
O telefone
tocou mais cedo do que de costume. Era o homeopata da família, muito
preocupado. No começo da semana, havíamos levado a Julia, nossa filha de 7
anos, para uma consulta. Ela tinha vários hematomas na perna, nos braços e no
tronco que pareciam não sarar nunca. Para alguns, havia explicação convincente:
"Tropecei e caí; levei um chute no jogo; bati na quina da mesa". Para
outros, não: "Uma menina esbarrou em mim". A menos que fosse um
tranco violento, não deixaria uma mancha roxa como aquela.
Marquei o
médico pensando que, entre várias outras coisas, podia ser leucemia. Eu já
havia feito várias reportagens e entrevistas sobre o assunto, participado de
campanhas em benefício de instituições que tratam câncer infantil, escrito
textos para a internet convidando as pessoas a se cadastrarem como doadoras de
medula. Em algum desses momentos, soube que manchas roxas persistentes podem
ser um indicativo da doença.
Comentei a
suspeita com uma amiga, que me deu uma bronca: "Vira essa boca pra
lá!". "Mas pode ser, oras. E se for? Ninguém quer ouvir essa notícia
mas tem gente que ouve, né?".
O
homeopata pediu um hemograma (exame de sangue) para – como todos gostaríamos –
afastar a suspeita. Mas naquela manhã, ao telefone, nos avisou que haviam
ligado para ele do laboratório, preocupados com o resultado. "Vão o quanto
antes para o Pronto Socorro do HC e peçam para fazer um novo exame".
Tiramos a
Julia da cama apreensivos. Passamos o dia no Pronto Socorro, entre longas
esperas e novos exames. No começo da noite, uma médica apalpava ela com
cuidado, com medo de feri-la. Pouco depois, nos chamou – eu e o pai dela – a
uma sala fechada e proferiu, com o maior cuidado, a palavra
"leucemia".
E eu
pensei que estava preparada.
Eu teria
inventado, ali, a expressão "o chão se abriu sob os meus pés", se ela
já não existisse. A Julia ficaria internada, recebendo medicação e transfusões.
Ainda não era possível saber exatamente o tipo de leucemia (eu nem sabia que há
vários tipos), mas já se podia prever uma longa internação. "Ela tem
irmãos?". Talvez ela precisasse de um transplante de medula. "Só
meias-irmãs". Se ajudasse, eu teria outro filho!
Os médicos
recomendaram que fôssemos para casa enquanto ela dormia, se recuperando de um
exame horrorosamente dolorido, para o qual tomou sonífero. Saímos atordoados. O
celular do pai tocou; um amigo convidava para uma pizza. "Não vai dar, a
Júlia ta com uma doencinha chata...". "Fala o que é!". Descobri,
para começar, que a palavra "leucemia" não podia ser proibida. Era só
uma doença, como tantas outras cujos nomes são ditos sem pudor, sem vergonha.
Enquanto arrumávamos a mala em casa, minha filha mais velha soube o que estava
acontecendo e foi para o hospital. Chorou pra burro no ponto de ônibus; chegou
ao HC já recomposta. Quando voltamos para lá, encontramos as duas irmãs no
quarto – rindo. Rindo muito. A mais velha brincava com os furos todos pelo
corpo, resultado dos muitos exames, e dizia que a sopa ia vazar por eles. A
mais nova se deixou levar pela palhaçada.
Segunda
lição: rir não cura, mas ajuda.
Na manhã
seguinte, acordei sem energia para nada, a não ser para chorar. Minha cara no
espelho era assustadora – e decidi que minha filha não podia me ver daquele
jeito, e não veria. Lembrei do quanto sempre me orgulhei de ser durona com dor;
a dor era dela e não minha, o que era muito pior. Mas eu precisava estar forte.
E resolvi que não ia mais chorar. Não ia querer chorar. E melhorei
imediatamente.
Por sorte,
a Julia pôde passar o domingo em casa, antes de ser internada em definitivo.
Chamamos a família toda para almoçar e ela fez um cartaz para colocar na porta:
"Atenção, lavem as mãos. E nada de beijos – viu, tia Tânia?", com um
desenho divertido. Assim, não precisávamos fingir que nada estava acontecendo,
nem fazer recomendações sussurradas, furtivas. Temos uma criança doente, sim; é
preciso tomar cuidado com ela. Mas o almoço foi gostoso, apesar da tristeza
escondida.
No dia
seguinte, ela entrou no ITACI. As crianças internadas falavam abertamente sobre
enjoo, ficar careca, fazer exames. Arrastavam os suportes com soro como se
fossem cachorrinhos, com nome e tudo. Logo eu e a Julia passamos a fazer parte
daquela turma, unidos naquele desafio. As mães explicavam a rotina e as regras;
as enfermeiras e médicos também faziam questão que eu entendesse tudo. Saber o
que vai acontecer , como e por quê é muito bom.
Enquanto
eu estava lá, o mais importante para mim era a confiança – que é diferente de
esperança. Confiança é a certeza de que tudo está sendo como tem de ser, dali
em diante – não adianta querer mudar o passado e amaldiçoar o presente. É a
certeza de que todos estão fazendo a sua parte da melhor maneira possível –
inclusive você. E a minha parte era também dar confiança a Julia, de que ela
seria forte para suportar aquilo tudo.
Hoje ela está
curada. Ainda passa pelo hospital a cada seis meses; faz parte da nossa vida,
sem problema nenhum. Tem uma enorme cicatriz no peito, e não se importa nem um
pouco com ela.